NA CRISE SE NÃO PODE AJUDAR, NÃO ATRAPELHE!

SE NÃO PODE AJUDAR, NÃO ATRAPALHE!



Ricos é que devem pagar a conta da crise
As centrais sindicais, a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e organizações progressistas devem unificar suas forças, mobilizar as bases e pressionar por mudanças imediatas na política econômica, a fim de conter a fuga de capitais e evitar que a crise comprometa a retomada do desenvolvimento nacional, sacrificando o emprego, a classe trabalhadora e o futuro da nação.

Por Wagner Gomes*

Já não faz mais sentido discutir se o Brasil será ou não afetado pela crise. Embora a nossa situação seja relativamente melhor do que no passado, a dimensão da tormenta econômica irradiada dos Estados Unidos é inédita e seus impactos no Brasil não podem ser negligenciados. As notícias sobre o comportamento das bolsas e do câmbio indicam que está em curs o uma forte fuga de capitais, que se não for detida a tempo pode comprometer irremediavelmente nossas reservas, desacelerar a economia e desmoralizar o real.

Por enquanto, os desdobramentos maiores são verificados no mercado de moedas (câmbio) e de capitais. O nível de emprego fechou setembro estável, de acordo com o IBGE. Mas, a disparada do dólar, a interrupção do crédito, o recuo da demanda na construção civil e na indústria automobilística são sinais, claros, de que os problemas vão se agravar e que o pior está a caminho. O mercado de trabalho tende a se encolher no futuro próximo.

Palpite infeliz

As classes dominantes já estão se movendo no sentido de jogar o ônus da crise sobre as costas largas da classe trabalhadora. Representantes da direita neoliberal, no Congresso e na mídia, apressam-se a denunciar a suposta ''gastança do governo'' e defender mais do mesmo, ou seja, apregoa m o corte dos investimentos e gastos públicos, ampliação do superávit primário, alta das taxas de juros e mais liberdade e privilégios para o capital estrangeiro. Por sua vez, o FMI, que não ousa dar palpite sobre a política econômica dos Estados Unidos, advertiu o governo Lula contra a expansão do ''gasto primário''.

Sugerem o caminho do inferno, conforme alertou o economista e professor da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo. ''Corte de gastos públicos levou a Alemanha ao nazismo'', recordou. O país conhece bem o resultado dos conselhos neoliberais da direita e do FMI. Não podemos retroceder a elas. É preciso avançar noutra direção. É hora de mudar a política macroeconômica.

Proteger as reservas

Conforme observou o professor da Unicamp, o tempo urge e é imperioso adotar medidas para proteger as reservas do país, controlar o câmbio e a conta de capitais, reduzir as taxas d e juros, expandir o crédito e os investimentos públicos. Além disto, devemos acrescentar a necessidade de taxar e restringir as remessas de lucros e dividendos das transnacionais (que dobraram em setembro e atingiram o valor recorde de 27,5 bilhões de dólares), que constituem a principal causa do preocupante agigantamento do déficit em conta corrente.

Cabe, ainda, aprofundar o processo de integração da América Latina, o que significa fortalecer o Mercosul, a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) e a Unasul; retirar as divisas das reservas aplicadas em títulos do governo Bush para investir na criação do Banco do Sul; caminhar na direção de uma moeda única sul-americana, excluindo o dólar no comércio entre os países da região; americanos, inclusive.

Na última reunião de sua Direção Executiva Nacional, realizada nos dias 16 e 17 de outubro, a CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) abordou o tema e fe z um apelo à unidade das centrais sindicais, dos movimentos sociais e das forças progressistas no sentido de debater os efeitos sociais da crise e propor políticas governamentais alternativas que, na contramão do neoliberalismo, transfiram o custo da crise para os ricos, preservando a renda e os interesses do povo trabalhador e da nação.

Luta de classes

O movimento sindical e a classe trabalhadora brasileira não devem se permitir o luxo de contemplar passivamente o desenrolar da crise, pois esta constitui uma série ameaça às modestas conquistas sociais obtidas desde a eleição do Lula, em 2002. Mesmo a ansiada retomada do crescimento pode não se sustentar, configurando um novo e indesejável vôo de galinha.

O debate sobre a crise não deve ser confiado exclusivamente aos economistas nem confinado aos círculos técnicos, que por sinal estão majoritariamente comprometidos com o pensamento capitalista dominant e. É preciso compreender que as divergências sobre o caminho a seguir no enfrentamento da crise refletem interesses conflitantes das classes sociais que se digladiam no entorno da política econômica, que em si nada tem de neutra, pois traduz o jogo de pressão e contrapressão da sociedade.

Através da união das centrais, a classe trabalhadora brasileira deve se pronunciar numa só voz em defesa dos seus direitos e interesses, do crescimento econômico sustentável, do emprego, da agricultura familiar, do desenvolvimento nacional com soberania e valorização do trabalho, rechaçando a dieta recessiva que políticos e ideólogos neoliberais recomendam aos mais pobres, mas não aos países ricos, que neste momento ampliam gastos e déficits públicos, reduzem taxas de juros e não têm escrúpulos em apelar à mão forte do Estado para debelar a crise.

* Wagner Gomes é presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil)< /em>


Crise pode gerar fortalecimento da direita, diz Hobsbawm

O britânico Eric Hobsbawm, considerado um dos historiadores mais influentes do século 20, disse na última terça-feira (21) que o maior perigo da atual crise financeira mundial é o fortalecimento da direita em nível mundial.


Hobsbawm: mais Keynes, menos Hayek

“A esquerda está virtualmente ausente. Assim, me parece que o principal beneficiário deste descontentamento atual, com uma possível exceção – pelo menos eu espero – nos Estados Unidos, será a direita”, disse.

O historiador marxista comparou o atual momento “ao dramático colapso da União Soviética” e ao fim de “uma era específica”. “Agora sabemos que estamos no fim de uma era e não se sabe o que virá pela frente.”

Abaixo, os principais trechos da entrevista, concedida à BBC.

Muitos consideram o que está acontecendo como uma volta ao estadismo e até do socialismo. O senhor concorda?

Bem, certamente estamos vivendo a crise mais grave do capitalismo desde a década de 30. Lembro-me de um título recente do Financial Times que dizia: O capitalismo em convulsão. Há muito tempo não lia um título como esse no FT.

Agora, acredito que esta crise está sendo mais dramática por causa dos mais de 30 anos de uma certa ideologia “teológica” do livre mercado, que todos os governos do Ocidente seguiram. Porque como Marx, Engels e Schumpter previram, a globalização - que está implícita no capitalismo - não apenas destrói uma herança de tradição como também é incrivelmente instável: opera por meio de uma série de crises.

E o que está acontecendo agora está sendo reconhecido como o fim de uma era específica. Sem dúvida, a partir de agora falaremos mais de (John Maynard) Keynes e menos de (M ilton) Friedman e (Friedrich) Hayek.

Todos concordam que, de uma forma ou de outra, o Estado terá um papel maior na economia daqui por diante. Qualquer que seja o papel que os governos venham a assumir, será um empreendimento público de ação e iniciativa, que será algo que orientará, organizará e dirigirá também a economia privada. Será muito mais uma economia mista do que tem sido até agora.

E em relação ao Estado como redistribuidor? O que tem sido feito até agora parece mais pragmático do que ideológico...

Acho que continuará sendo pragmático. O que tem acontecido nos últimos 30 anos é que o capitalismo global vem operando de uma forma incrivelmente instável, exceto, por várias razões, nos países ocidentais desenvolvidos.

No Brasil, nos anos 80, no México, nos 90, no sudeste asiático e Rússia nos anos 90, e na Argentina em 2000: todos sabiam que estas coisas poderia levar a cat ástrofes a curto prazo. E para nós isto implicava quedas tremendas do FTSE (índice da bolsa de Londres), mas seis meses depois, recomeçávamos de novo.

Agora, temos os mesmos incentivos que tínhamos nos anos 30: se não fizermos nada, o perigo político e social será profundo e ainda mais depois de tudo, da forma com a qual o capitalismo se reformou durante e depois da guerra sob o princípio de “nunca mais” aos riscos dos anos 30.

O senhor viu esses riscos se tornarem realidade: estava na Alemanha quando Adolf Hitler chegou ao poder. O senhor acredita que algo parecido poderia acontecer como conseqüência dos problemas atuais?

Nos anos 30, o claro efeito político da Grande Depressão a curto prazo foi o fortalecimento da direita. A esquerda não foi forte até a chegada da guerra. Então, eu acredito que este é o principal perigo. Depois da guerra, a esquerda esteve presente em várias partes da Europa, inclu sive na Inglaterra, com o Partido Trabalhista, mas hoje isso já não acontece. A esquerda está virtualmente ausente, Assim, me parece que o principal beneficiário deste descontentamento atual, com uma possível exceção – pelo menos eu espero – nos Estados Unidos, será a direita.

O que vemos agora não é o equivalente à queda da União Soviética para a direita? Os desafios intelectuais que isto implica para o capitalismo e o livre mercado são tão profundos como os desafios enfrentados pela direita em 1989?

Sim, concordo. Acredito que esta crise é equivalente ao dramático colapso da União Soviética. Agora sabemos que acabou uma era. Não sabemos o que virá pela frente. Temos um problema intelectual: estávamos acostumados a pensar até então que havia apenas duas alternativas: ou o livre mercado ou o socialismo. Mas, na realidade, há muito poucos exemplos de um caso completo de laboratório de cada uma dessas ideolo gias.

Então eu acho que teremos de deixar de pensar em uma ou em outra e devemos pensar na natureza da mescla. E principalmente até que ponto esta mistura será motivada pela consciência do modelo socialista e das conseqüências sociais do que está acontecendo.

O senhor acredita que regressaremos à linguagem do marxismo?

Desde a crise dos anos 90, são os homens de negócio que começaram a falar assim: “Bem, Marx predisse esta globalização e podemos pensar que este capitalismo está fundamentado em uma série de crises”. Não acredito que a linguagem marxista será proeminente politicamente, mas intelectualmente a natureza da análise marxista sobre a forma com a qual o capitalismo opera será verdadeiramente importante.

O senhor sente um pouco recuperado depois de anos em que a opinião intelectual ia de encontro ao que o senhor pensava?

Bem, obviamente há um pouco a sensação de schadenfreude (regozijo pela desgraça alheia). Sempre dissemos que o capitalismo iria se chocar com suas próprias dificuldades, mas não me sinto recuperado.

O que é certo é que as pessoas descobrirão que de fato o que estava sendo feito não produziu os resultados esperados. Durante 30 anos os ideólogos disseram que tudo ia dar certo: o livre mercado é lógico e produz crescimento máximo. Sim, diziam que produzia um pouco de desigualdade aqui e ali, mas também não importava muito porque os pobres estavam um pouco mais prósperos.

Agora sabemos que o que aconteceu é que se criaram condições de instabilidades enormes, que criaram condições nas quais a desigualdade afeta não apenas os mais pobres, como também cada vez mais uma grande parte de classe média. Sobretudo, nos últimos 30 anos, os beneficiários deste grande crescimento têm sido nós, no Ocidente, que vivemos uma vida imensuravelmente superior a qualquer out ro lugar do mundo. E me surpreende muito que o Financial Times diga que o que se espera que aconteça agora é que este novo tipo de globalização controlada beneficie a quem realmente precisa, que se reduza a enorme diferença entre nós, que vivemos como príncipes, e a enorme maioria dos pobres.